quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Visio





Visio



Eras pálida. E os cabelos,
Aéreos, soltos novelos,
Sobre as espáduas caíam…





Os olhos meio-cerrados
De volúpia e de ternura
Entre lágrimas luziam…
E os braços entrelaçados,
Como cingindo a ventura,
Ao teu seio me cingiram…Depois, naquele delírio,





Suave, doce martírio
De pouquíssimos instantes
Os teus lábios sequiosos,
Frios trêmulos, trocavam
Os beijos mais delirantes,
E no supremo dos gozos




Ante os anjos se casavam
Nossas almas palpitantes…
Depois… depois a verdade,
A fria realidade,




A solidão, a tristeza;
Daquele sonho desperto,
Olhei… silêncio de morte
Respirava a natureza —




Era a terra, era o deserto,
Fora-se o doce transporte,
Restava a fria certeza.



Desfizera-se a mentira:
Tudo aos meus olhos fugira;
Tu e o teu olhar ardente,
Lábios trêmulos e frios,
O abraço longo e apertado,




O beijo doce e veemente;
Restavam meus desvarios,
E o incessante cuidado,
E a fantasia doente.




E agora te vejo. E fria
Tão outra estás da que eu via
Naquele sonho encantado!
És outra, calma, discreta,




Com o olhar indiferente,
Tão outro do olhar sonhado,
Que a minha alma de poeta
Não vê se a imagem presente
Foi a imagem do passado.




Foi, sim, mas visão apenas;
Daquelas visões amenas
Que à mente dos infelizes
Descem vivas e animadas,
Cheias de luz e esperança



E de celestes matizes:
Mas, apenas dissipadas,
Fica uma leve lembrança,
Não ficam outras raízes.




Inda assim, embora sonho,
Mas sonho doce e risonho,
Desse-me Deus que fingida
Tivesse aquela ventura



Noite por noite, hora a hora,
No que me resta de vida,
Que, já livre da amargura,
Alma, que em dores me chora,
Chorara de agradecida!




Machado de Assis

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